Pois é, ando a anos a tentar relatar a minha viagem de sonho, mas não tenho conseguido.
Pois é, ainda hoje não consigo entender esta minha negação em partilhar esta viagem interrompida algures entre o Mali e a Argélia.
Pois é, quantas vezes dou por mim a pensar nos desafios que enfreitei, longe de tudo e de todos em terra de ninguém.
Pois é, quantas vezes, leio e releio tudo o que tenho cá por casa e no meu diário de viagem que religiosamente guardo entre os meus livros.
Poís é, sou eu sei o que me leva a esbarrar na escrita de tão desejada Expedição, de 33 dias e 10990 Kma se tudo corresse bem.
Pois é, ainda me lembro como se fosse hoje, a alegria que tinha em voltar a minha terra, 17 anos depois e pela melhor via, por todo Terreno,mesmo depois de ter feito um transplante de córnea a menos de 60 dias.
Poís é, preparei tudo ao pormenor, patrocínios, material para o UMM, comida, roupa, medicamentos, tudo para 40 dias.
Pois é, só não anotei nos mapas, vários, as zonas de assalto, que foram 3, todos com os mais diversos estilos.
Pois é, será hoje que vou escrever, espero que sim, porque hoje já é a 4ª tentativa.
Pois é, mas a morte recente do João Moutinho, homem forte do Geoclube do Porto, o Português mais Marroquino, e que deixou ficar um livro a aguardar que uma editora o publique, é que me levou em sua homenagem a fazê-lo agora.
JOÃO MOUTINHO JUNTO DO SEU INSEPARÁVEL TOYOTA
Pois é, aviso que não vou “editar” o texto, vai sair livre aberto, porque não quero perder tempo com isso, porque tenho medo de um”reset”.
Pois é, aqui vai.
Dia 18 de Março de 1992:
Com uma partida junto a Torre de Belém e com toda a popa e circunstância lá fomos nós, 24 Todo Terreno, um camião 6×6 e seis motas, ao todo o lindo número de 69 valentes e audazes participantes.
Com uma saída programada para 8.00 horas, só ao fim do dia é que zarpamos, porque os vistos para entrar em Angola népia, só com múltiplos contactos foi possível consegui-los.
A euforia e o entusiasmo do pessoal, sobrepunha-se aos medos. O fascínio de África e da Expedição sobrepunha-se aos medos e as incertezas do regimes instáveis, mas o que queriamos mesmo era ir, mesmo que não voltassemos.
Lembro-me perfeitamente de um facto que me marcou, foi ter aberto a circulação nesse dia a Ponte sobre o Rio Guadiana em Vila Real de Santo António.
Com as indecisões da partida e o arranca , espera, arranca, o pessoal que iria em caravana, foi cada um por si, anarquia total.
Nós só paramos a entrada de Algeciras numa bomba da Shell deveria ser umas 2 ou 3 da manhã. Aí conhecemos e desenrascamos o José Manuel Fernandes, que hoje é Director do Jornal o Público que ia com o Luís Vasconcelos, editor de fotografia do mesmo Jornal, um tipo porreiro, “altamente”, maluco como todos os fotógrafos de guerra e tinha bués delas no lombo.
Acontece que os mans do Público só funcionavam com cartões de crédito e népia para pagar o gasóleo, e como sempre lá estava o pessoal da Lousã para “entrar”, nada que não se resolvesse.
Lá fomos todos para um Parque de Campismo, bués de velho, penso que se chamava “Valira”. Alugamos um bungalows, para o banho, porque tinhamos de apanhar o barco as 7.00 horas da matina, eis quando, abro o chuveiro e para além de cair o velho chuveiro de “crivos de pregos”, em cima da tola, jorra uma aguada vermelha de ferrugem. Lá panhamos o ferry e eis aventura .
Dia 24 de Março de 1992:
Depois das dificuldades dos 1ºs dias, em que houve que vencer as habituais burocracias fronteiriças de Marrocos e da Argélia, e depois de uma dormida num acolhedor Parque de Campismo de Tlemecen, eis-nos nas Pista do Deserto. Para trás ficavam as estradas esburacadas, os mercados coloridos, as paisagens das cidades-oásis.
A cidade argelina de Ghardaia era uma beleza, tinha um excelente oásis e um Parque de Campismo do melhor.
A recepcção tinha bués de autocolantes de expedições de portugueses e o nosso também lá ficou, seja era uma exigência do man do Parque.
A partir de El Golea, pela frente só nos tinhamos a nós próprios e a imensidão de uma paisagem de areia, de rochas e de pó.
Como é usual, levantar ao nascer do sol, andar sem parar todo o dia, almoçar em andamento e parar ao pôr do sol. Nunca deixar de ver o carro de trás no retrovisor, e assim sendo, corre tudo bem.
Para um neófito do deserto como eu, as primeiras dunas cor-de-rosa, os primeiros “oueds”, as rectas sem fim sem que as paisagens se modifique.
Ainda me lembro que depois de atestar os carros em El Golea, andamos uns 10 kms em asfalto e o Villas Boas, vira a esquerda rumo 180º graus para o horizonte, qualquer coisa como para nascente. Posso dizer que nessa altura estava a escurecer e o pessoal deixou de usar a técnica do retrovisor e aí sentimos quanto é de respeitar o deserto.
Andamos uns 30 kms até ao sopé de uma grande duna, e foi a festa total, um corropio de sobe e desce.
Jantamos uma boa refeição quente e aí começou mesmo a aventura, forte, fraterna e frágil como se veria mais tarde.
Melhor, só mesmo quando o sol começa a baixar e as cores mudam, quando é altura de procurar uma duna para montar o acampamento, a tensão, inevitável numa longa caravana- em que é necessário manter o ritmo da viagem e para ninguem se perca-, esvai-se rapidamente, dando lugar a um ambiente descontraído e repousado. Os melhores momentos, as grandes amizades criam aqui, nunca mais se esquecem.
São estes os momentos em que o grupo se conhece, se travam amizades e se estabelecem relações de colaboração.
O deserto e as condições da expedição igualam os membros da expedição, tornando-as mais solidárias, sejam eles de que classe social forem, ali cantamos de igual para igual.
Esta noite seria uma das mais calmas e mágicas da expedição, porque ninguem previa o que iria acontecer nos próximos dias.
Sim porque o Pocas – para os amigos- e Cristovão Leitão para os outros lembrou-se de “partir” a caravana e partir em rumo diferente, era o único que tinha um instrumento que se chamava GPS, que tinha uma “chaminé” branca por cima do UMM. O rumo seria a cidade mais meridional da Argélia, a entrada do maior e mais temidos dos desertos o Tenerée, seja Tamanrasette. No entanto apanhamos uma bruta tempestade de areia que obrigou a paragem da caravana, porque faltava um carro, o UMM do Pedro Coelho. O Pedro Coelho tinha-se atrasado e com a tempestade de areia não nos viu. Paramos e depois de quase 24 horas de areia e pó , quando tudo passou ele e a esposa estavam a uns escassos 100 metros de nós, só a sua experiência em expedições o levou a parar, porque se tem continuado não saberiamos o que poderia ter acontecido, porque não andavamos em qualquer pista.
Desde sempre e não sei porquê Tamanrasette, me chamou a atenção. Depois de lá ficar uns 4 ou 5 dias entendi porquê., é um berço de culturas, de raças, de negócios e de cruzamento de rotas.
Até breve.
Tenho bons amigos desde essa altura.
Comentários
7 comentários a “I EXPEDIÇÃO LISBOA A LUANDA EM TODO TERRENO – 1992 – CONTINUAÇÃO 1”
Imagino as SAUDADES!!!!
Abraço
Pior que as saudades é o desejo de a acabar.
Gosto de acabar aquilo que começo.
Quem sabe se com um Defender 110, já ando a procura de um, mas tem de ser Td5.
Talvez.
Sem comentários…
Simplesmente maravilhoso… é a única coisa que me ocorre.
como gostos destas aventuras..
força…
Tenho ouvido comentar este acontecimento, mas nunca tinha tido oportunidade de conhecer a história. Por isso o meu obrigado.
Sei o que é ver o cano de uma AK47 pelo lado errado do cano e por isso penso que consigo imaginar a tensão destes momentos. Um abraço de/para viajante. Paulo Alves/Rituais.com
Estou ansioso por saber o resto da história desta aventura, pois é meu sonho um dia poder fazer esta viagem Portugal Luanda em todo terreno.
Nunca fiz nenhuma expedição, no entanto tenho esse grande fascinio!!!
A sua história é soberba, quando o conheci (porque o conheço pessoalmente desde o Rates Billing 07)desconhecia estas suas vivencias e não tive a oportunidade de trocar algumas impressões sobre estes grandes acontecimentos!
Vou estar atento a possiveis oportunidades !!!
Abraço,
Rui Fonseca