1992, Fort Miribel (Argélia)
O Mapa Michelin 953, indicava um tracejado vermelho muito miudinho e nos extremos duas barras verticais o que em termos internacionais de mapas quer dizer “Piste Interdite”. Ao final da tarde fizemos uma incursão a partir de El-Golèa às fraldas do Grand Erg Oriental, onde pernoitamos. Esta aventura criou-nos um misto de emoções e receios, já que a longa caravana permitia ver ao longe os pequenos faróis das luzes vermelhas do 4×4. Só tínhamos um rumo de bússola e foi andar até chegar ao Erg.
Mas as verdadeiras pistas começavam a partir de Fort Miribel, cerca de 300 kms de uma pista interdita e demolidora até Hassi Bel Guebbour.
O Fort Miribel não era mais que umas ruínas de um Forte construído em 1894, tendo sido abandonado em 1903 com essa função. De 1903 até 1930, serviu de entreposto automóvel. Essa última função era bem visível no resto de peças carcaças de automóveis. Lembro-me de ver inúmeros amortecedores torcidos e partidos.
A partida de Fort Miribel, foi bem cedo depois de termos retomado de madrugada a estrada nacional de El-Goléa a In Salah. A caravana compacta tinha indicações rigorosas para se cumprir a norma “Ter sempre o carro de trás no retrovisor”. Esta técnica permitia manter a caravana compacta e ganhar tempo. Um dos UMM ( da 1ª geração), tem a 1.ª avaria com um tubo de travões rebentado. Vinca-se o tubo e retomamos a longa viagem. A meio do percurso apanhamos um dos primeiros destroços do Paris Dakar, quando ainda passavam pela Argélia. Diziam alguns entendidos que era os restos do Range Rover de fábrica de Patrick Zaniroli. Aproveitou-se para com cuidado retirar o tubo dos travões para mais tarde substituir no UMM. Mas a frente os restos de uma KTM de que só resta o quadro e as rodas, tudo sem ponta de ferrugem, devido à ausência de humidade do ar. Mais a frente encontramos as primeiras caravanas de Tuaregues com os camelos carregados de produtos para o norte do Niger.
A meio da tarde a coisa complica-se, uma violenta tempestade de areia está sobre a caravana, não se vê nada ou quase nada, a velocidade reduz-se drasticamente e a determinada altura nem os faróis vermelhos são visíveis. A areia entra por todo o lado e a caravana para. As viaturas encostam umas as obras e contam-se os 4×4. Conta-se uma vez e reconta-se, e confirma-se a falta de um UMM de cor vermelha com um casal, já com alguma experiência em Expedições para a Guiné e Argélia. O pessoal das motas, tem um trabalho heróico, fazendo incursões com saídas perpendiculares aos 4×4 e voltando numa tentativa de encontrar o UMM. A tempestade continua, a areia invade todos os poros está insuportável, o checehe dá uma ajuda.
O Jantar são umas bolachas de água e sal com atum e grão de areia e a dormida por cansaço é no banco da frente sentado. O UMM vermelho não dá sinais de si e o pessoal exausto desiste da procura e espera pelo amanhecer. Penso que todos, de uma maneira ou de outra caíram pelo cansaço e de manhã quando despertaram a calma tinha passado e a uns 300 metros de nós lá estava o UMM vermelho. Só a experiência de alguém como o Pedro é que numa situação daquelas, parou e ficou quieto a aguardar que o viessem buscar, porque sabia que era naquela zona que tinha perdido a caravana.
Chegamos a Hassi Bel Guebbour, ao final da tarde do dia seguinte, com os olhos cansados e cheios de areia.
As pinturas dos 4×4 e das motos ficam baças, os vidros e acrílicos picados como se tivessem ido ao jacto de areia. Em Hassi Bel Guebbour havia um pequeno “café rústico” que depois de muita conversa, matou uma cabra e fez para algum pessoal um a espécie de grelhado. Mais tarde convencemos o dono do café a deixar-nos ficar num pequeno estábulo.Na ausência dos camelos ocupamos o seu lugar!
O cheiro era insuportável, mas o cansaço ainda maior. Lembro-me de tentar lavar os olhos numa torneira e a acidez da água era tal que queimava a cara. No sítio onde caía a água o chão estava branco, tal era a acidez da água.
É com as dificuldades que o grupo se começa a unir, nas pistas e ou à noite no acampamento. O espírito de entreajuda vem ao de cima, para mudar uma roda, consertar uma viatura, fazer um jantar em comum ou simplesmente trocar uma cerveja por um sumo.
Faziam-se altas refeições com pormenores que nem lembra ao diabo.
Lousã, 20 anos depois….
Parola Gonçalves
Comentários
3 comentários a “FRAGMENTOS DE MEMÓRIAS – 4.º”
Simplesmente espetacular!
Se é raro encontrar quem saiba viver uma viagem…é ainda mais raro encontrar quem saiba contá-la com a densidade que carrega cada momento. Grandes Tópicos, que distinguem um viajante de…motoristas.
Grande Abraço
Depois de Marrocos, Tunísia, Mauritânia e Senegal…a minha obsessão é a Argélia e a Líbia. Infelizmente o pessoal da Territori 4×4 cancelou as viagens para lá, mas a Jipeaventura tem planeado a Líbia em Fevereiro de 2013…Vamos a ver se subo mais um degrau, para ficar mais perto do céu: O Teneré, lá para 2015!
Grande aventura…