Não quero saber de onde sou, prefiro ser do mundo, ou, de um lugar qualquer, onde me sinta bem. Naquele dia, que já não sei quando foi, tive a certeza que nunca mais voltava lá, do lugar de donde era. Todos os dias, penso na curva ascendente que aquela Boeing, descreveu ao subir sobre a Samba Pequena. Aquela subida doeu mais que a morte se esta tem dor.
Não sei se sou do Kikolo, do Maria Pia, do km 14, do Sambizanga, do Marçal, ou de outro lugar, com nome de terra e não de País. Sei que quis voltar e fiquei pelo caminho. Sei que todos os dias desenho com pormenor os becos, as estradas e os caminhos, do Kikolo, do Maria Pia, do km 14, do Sambizanga do Marçal, ou de outro lugar, com nome de terra e não de País.
Não quero saber de onde sou, porque o velho Tamarineiro já tombou com a idade, o Musseque Marçal já não tem a Joana Maluca, a velha Jesuína com paracuca e doces de coco, nem a velha Mabunda com o seu cigarro acesso no interior da boca.
Não quero saber de onde sou, porque a velha Rudge, se esfumou corroída de ferrugem, não me levando ao Kikolo como caçador de meia-tijela, com a fiel Diana 27, atrás dos rabos-de -junco e das rolas.
Não quero saber de onde sou, porque já não há “Intrépido”, para bolinaR ir até ao Mussulo tomar uns banhos na baía e voltar a navegar ao largo, para o Kikolo, à Maria Pia, ao do km 14, ao Sambizanga, ao Marçal, ou de outro lugar, que eu já não sei qual é, com nome de terra e não de País.
Apátrida? Talvez! Retornado, também não! Refugiado, exilado, deslocado, não sei. Mas do Kikolo, do Maria Pia, do km 14, do Sambizanga, do Marçal, ou de outro lugar, com nome de terra e não de País é que não sou.Só sei que vim de lá, sem saber de onde sou.
Não quero saber de onde sou, porque já não há becos para eu passear, amigos para visitar e paracuca para se comer. Os velhos becos, já não me levariam a Cacimba da Macambira, ao Suba e as barrocas do Sambila.
Não quero saber de onde sou, porque já não há o Cine São Domingos com os filmes de cowboys e espadachim, nem o moto cross do Rangel em que o Mabeco era o Campeão.
Não quero saber de onde sou, porque queria dar mais ao “meu” País, agora nome de terra de donde dizem que vim, sobrevoando em curva ascendente que aquela Boeing descreveu ao subir sobre a Samba Pequena, perdendo as letras de Kikolo, do Maria Pia, do km 14, do Sambizanga, do Marçal, ou de outro lugar, com nome de terra e não de País. Só sei que vim de lá, sem saber de onde sou. Apátrida, Retornado, Refugiado, Deslocado, não sou, a minha Pátria são vocês, meus amigos…
Inté, Tamanrasset.
Comentários
6 comentários a “DE ONDE SOU? NÃO SEI.”
Tens de escrever um livro…
Mestre,
Estou à espera do livro. Escrito assim só pode ser fantástico!
“Quis saber quem sou… o que faço aqui… quem me abandonou… porque me esqueci…”.
Esta é sem dúvida mais uma das muitas memórias que merece ser publicada em livro. Tudo farei para que isso acontece.
Beijus
Um Abraço muito GRANDE.
Inté
Boas,
uma grande memória que tem que ficar registada…de onde é? Não sei mas sei que está presente em todos os locais por onde passa, em todos os amigos que faz…
Inté!
Xiiii… Tchindere… Como eu te compreendo! Temos um caminho comum a percorrer… Vamos junto!
Laripô!