Pois é.
Sinceramente não sei bem porquê, mas a vela apareceu na minha vida com a “face” mais importante da minha juventude.
Bom ambiente, camaradagem, lealdade, tenacidade e sobretudo obrigava a puxar pela tola e bués. Si porque essa coisa de velejar tem que se lhe diga, afinar os “brandais”, a inclinação do mastro, a colocação do patinhão, o estudo das correntes, das marés e os ventos predominantes.
O barco escola da “Bufa”.
Aprendi a velejar na “Bufa”, como todos nós em tempos idos e a “Bufa” era a melhor escola, tinha os melhores monitores, “bem haja Carlos Coelho”, e o melhor barco escola, um veleiro com uns 8 metros , bués de fixe.
A escola da “Bufa”.
Regata em 1970.
Então o Marques, meu grande AMIGO, lembrou-se de mandar vir uns planos de Inglaterra para se fazer um pequeno cruzeiro, seja um barco a vela até 6.00 mts para fazermos umas regatas e darmos umas voltas até Mussulo.
O Marques morava no Bairro da Samba Pequena e eu e o Abílio lá iamos dar sempre uma ajuda na carpintaria e passado um ano ou mais tinhamos o “INTRÉPIDO”, na água pronto para grandes aventuras.
O mais difícil era o mastro em madeira mas o Mestre Domingos, carpinteiro marítimo da “Bufa” deu uma ajuda e fez com sempre uma obra de arte, um mastro de uns 10 mts, colado em várias camadas de madeira, equilibrado e resistente.
E eis que em 1970 o INTRÉPIDO” foi lançado a água na baía da Samba Pequena com direito a garrafa de champanhe no casco e tudo, e eis-nos a caminho do Mussulo a testar a máquina todos inchados e orgulhosos.
Mas o melhor é que o Marques era o dono do veleiro e eu eo Abílio tinhamos usufruto garantido sempre a disposição.
Todas as sextas-feiras lá ia eu ao fim do dia depois das aulas para o Mussulo curtir uma praia e umas ondas. Voltava sempre ao fim da tarde de domingo e sempre à popa aproveitando para lançar uma amostra e apanhar bués de quilos de peixe espada preto. Eram mesmo bué de quilos que ofereciamos aos amigos.
Bem, mas em1972 decidimos entrar na Regata do Dia da Marinha, e toca de inscrever o “INTRÉPIDO”, sabendo nós que iamos comer uma sova valente, porque não tinhamos hipóteses ao pé dos outros veleiros modernos em fibra de vidro com o casco pintado com grafite, balão, instrumentos de navegação mais modernos, mas qual quê tinhamos de ir, porque aventura era aventura.
A regata compreendia uma triangulação entre o Farol da Ponta da Ilha, um barco “bóia” perto da Barra do Dande e outro barco “bóia” perto do Morro dos Veados.
Largada a um sábado de manhã com toque de pompa e circunstância dado por uma corveta da Marinha e começa a aventura.
Como da Ponta da Ilha para a Barra do Dande era andar a “popa” lá nos fomos aguentando pois o “INTRÉPIDO” era leve e com o balão de um Vaurien andavamos quase taco a taco.
O Marques, O Abílio e eu só tinhamos uma pequena bússula e orientação a vista nomeadamente de noite com as luzes da cidade de Luanda e os faróis de apoio.
Viramos bem na “bóia” da Barra no Dande e iamos a meio da tabela, bem bom, até o nosso ego cresceu, mas o pior era agora em que o nosso veleiro tinha um andamento muito lento, seja a “bolina” ou andar quase de frente para o vento.
Não tardou muito e já estavamos em último lugar e em bolina cerrada.
Mas a meio da noite e mais ou menos no alinhamento do Farol da Ilha, eis que o tempo começa a mudar e a levantar um vento de nascente com mais força e eis-nos a andar ao “largo”, seja com vento perpendicular ao barco, e aí o nosso “INTRÉPIDO” era bom e com o mar a ficar picado deslizavamos perfeitamente, era uma loucura, andavamos mais ou menos paralelos a Luanda a umas 6 milhas da costa.
Cerca das 3 horas da matina viramos a “bóia” do Morro dos Veados e o barco de apoio fartou-me de tocar a corneta porque os “putos” até já iam a meio da tabela em plena borrasca, mas a estratégia montada pelo Marques em avançar mais para o oceano cerca de 10 milhas face ao nosso andamento à “bolina” deu o seu efeito com a mudança das condições atmosféricas. Seja preferimos andar numa bolina mais aberta.
O pior é que umas 3 milhas depois, vinhamos a popa e paralelos a costa do Mussulo e eis que o se levanta uma tempestade valente em que ouviamos a rebentação algures a nossa direita e o nosso “INTREPÍDO” coitado entrava e saía das ondas, era água por todo o lado, no poço, na cabine e só havia uma solução “arrear pano” tirar velas ao barco.
Era preciso ir a “proa” sacar o “balão” e enrolar o “estai”, mas era preciso ir lá a frente mas estava difícil mas era muito urgente retirar o “balão”. Tão urgente porque podiamos partir o mastro ou afocinhar o barco tal era a força do vento.
Lá fui eu a proa era escuro como breu, amarrei um cabo a cinta e avancei para o “balão”. Depois de uma grande luta consegui enrolar o “balão” e metê-lo na cabine.
Agora era necessário enrolar ou tirar o “estai” e o tempo estava a piorar, bem o barco subia e descia nas ondas que ainda por cima vinham de popa, era preciso um bom “timoneiro” para não virarmos o barco, era preciso saber apanhar a onda e “surfar” nela e o Abílio era o “Mestre” era um bom Timoneiro.
Com não conseguia sacar o parafuso da manilha onde estava presa o “estai” o caldo começava a entornar-se porque o alicate tinha caído ao mar e os nosso “brandail” de proa não enrolava a vela, só sei que me pendurei com o meu peso todo na vela e rasguei o olhal e eis que a vela caí a água.
Recolhi a vela meti-a dentro da cabine encolhemos a “genoa”, vela do mastro e da retranca e nosso “INTRÉPIDO” equilibrado voava nas ondas a uma velocidades impressionante, penso que só o vento e as ondas o punham a andar bués.
O ronco da rebentação era assustador as ondas eram o máximo mas o nosso barco bem dominado pelo Abílio aguentava-se bem pese embora a cana do leme às vezes ameaçar partir quando se pretendia compensar o rumo ou quando vinha uma vaga.
Perto das 7.00 da manhã o tempo amaina e lá estava ele o “INTRÉPIDO” entre os três primeiros, havia barcos perdidos, apareciam barcos de todas as direcções e lá cruzamos a linha de chegada pelo lado certo, do lado da Barra do Quanza.
Foi uma festa o nosso barco, o nosso pequeno cruzeiro artesanal de 5,5 mts tinha vencido uma batalha e tinhamos sido o 3º na Geral e o 1º na nossa classe.
Recebendo as medalhas.
O “INTRÉPIDO” faz parte da minha vida, da minha juventude.
O INTRÉPIDO EM 1974 NA BAÍA DE LUANDA
A minha última regata em1973
Inté.
Texto não editado.
Comentários
2 comentários a “A GRANDE REGATA DO DIA DA MARINHA”
Este nosso Mestre é uma caixinha de surpresas!
Abraço!
Boas.
Eu só tentei gozar a vida numa terra enorme com 3 climas e maior que o mundo.
Sempre me virei sozinho, já que os meus pais não estavam motivados para isso a não ser trabalho, trabalho, trabalho.
A vida ensinou-me bastante e os 20 anos como autarca na Lousã, criaram-me defesas adicionais importantes.
Desde o ano passado que procuro um pequeno cruzeiro à vela para zarpar para os Açores.
Mas, o melhor mesmo e que prezo bastante, são os meus amigos.
Adoro os meus amigos.
Inté.