Olá.
Um excelente artigo de uma singela obra de engenharia que cruza dois séculos e feitas de modos diferentes.
Oportunamente vamos fazer um percurso e se possível uma vista ao empreendimento.
Transcrevemos um texto de Carlos Simões, elaborado em 2011.
“Começou a ser construída em 1939 e foi Inaugurada em 1949, a Barragem do Alto Ceira, foi uma obra da responsabilidade da então Companhia Eléctrica das Beiras, com projecto elaborado por Sir William Halcrow & Partners.
Implantada no limite Norte do concelho de Pampilhosa da Serra, freguesia de Fajão, na divisão com a freguesia de Piódão, concelho de Arganil, local de confluência entre o Rio Ceira e a Ribeira de Fórnea, esta barragem com os seus 36.5m de altura, está inserida no aproveitamento hidroeléctrico de Santa Luzia. Armazena água da bacia hidrográfica do Rio Ceira a montante, recebendo água também das Ribeiras da Castanheira e do Tojo, através de cerca de 3,3 Km de túneis. A água armazenada é transferida para a albufeira de Santa Luzia, já na bacia do Rio Unhais, também por túnel com uma extensão de cerca de 7,0 Km, túnel este que tem ainda uma abertura para aproveitamento de água da Ribeira de Ceiroco e da vala da Serra da Rocha.
Construção arrojada para a época, ainda hoje esta rede de túneis, representa uma das mais extensas do país com esta finalidade.
A construção da barragem caracteriza-se por um dique em arco estreito, com fundações em xisto e estrutura em betão, tendo sido utilizada alguma matéria-prima da região, principalmente os seixos que eram recolhidos nas encostas circundantes.
À semelhança de outras construções similares, que naquela época recorreram à mesma tecnologia de construção, a estrutura da barragem foi revelando algumas anomalias, logo após o seu enchimento inicial, nomeadamente várias fissuras e deslocamentos horizontais para montante e verticais ascendentes, assim como expansão e reacções químicas alcalinas no próprio betão.
Já à alguns anos que esta situação tem sido acompanhada por técnicos do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), que tem desenvolvido técnicas e realizado a monitorização do comportamento da estrutura, verificando-se que o seu estado se tem vindo a agravar progressivamente.
Tendo em conta os elevados custos de recuperação da estrutura existente, e tendo em conta a importância desta barragem no contexto do aproveitamento hidroeléctrico de Santa Luzia, a EDP – Electricidade de Portugal, lançou concurso público, em finais de 2007, para a execução da empreitada de “Construção da Nova barragem do Alto Ceira”.
O Projecto consiste na construção de uma nova barragem, no lugar de Lameirinhos, Camba, cerca de 200 m abaixo da já existente.
Pelas informações disponíveis on-line para consulta do público em geral, designadamente no Estudo de Impacte Ambiental elaborado pela EDP1, o prazo de construção da nova barragem do Alto Ceira foi estimado em cerca de dois anos, prevendo-se que em Abril de 2009 pudessem vir a estar reunidas as condições para o arranque da obra, o que se veio a verificar um ano mais tarde por atrasos diversos relacionados com a aquisição dos terrenos e outros imprevistos .
A nova barragem substituirá a actual, que será parcialmente demolida e ficará submersa na nova albufeira, eliminando o actual problema de segurança estrutural a ela associado.
A nova estrutura terá exactamente as mesmas funções que a barragem existente; a sua albufeira servirá apenas como reservatório e a água aí acumulada é enviada através do túnel – cujo funcionamento se manterá – até à localidade de Malhada do Rei , já na albufeira de Santa Luzia, a cerca de 7 km de distância.
A estrutura projectada será construída em betão e será uma abóbada de dupla curvatura, com a altura teórica máxima acima das fundações de 41 metros, com um coroamento com cerca de 100 metros. Garante o Nível de Pleno Armazenamento à cota (665,40), valor idêntico ao existente, acrescentando 1,7 ha à superfície de terreno inundada que actualmente é de cerca de 12 ha.
A descarga dos caudais de cheia será feita através de um descarregador de cheias não controlado (sem comportas) de lâmina livre, cuja soleira será dividida em sete vãos separados por seis pilares que servem de apoio ao viaduto. Está prevista, na continuação do soco de jusante da barragem e na zona de influência do descarregador, uma bacia em betão para protecção das encostas e para dissipação da energia dos caudais descarregados.
No corpo da barragem, com eixo à cota (635,35), situa-se a descarga de fundo equipada com uma válvula dispersora a jusante, sendo utilizado o equipamento de comando instalado na barragem antiga, por se encontrar em bom estado.
Considerando os objectivos sociais e ambientais a que se destina a água a libertar na barragem do Alto Ceira, será necessário manter um caudal mínimo descarregado pela barragem, designado de “caudal ambiental”. O caudal ambiental de 30 l/s, determinado na concessão do aproveitamento (Diário do Governo, II Série – n° 43 de Fevereiro de 1957), ficará assim assegurado por circuito próprio, restituindo a água para a bacia de dissipação do descarregador de cheias.
Associada a esta construção realizaram-se já um conjunto de obras auxiliares, designadamente uma área destinada ao estaleiro industrial, onde foram instalados escritórios, armazéns, pequenas oficinas, parqueamento e outras estruturas associadas; e uma outra destinada às instalações sociais do empreiteiro, nomeadamente dormitórios e refeitório, localizada frente à aldeia de Camba, no local chamado de Estaleiro.
Relativamente a acessos, sobre o coroamento da barragem está prevista a realização dum viaduto cujo perfil transversal terá 3,00 m de faixa de rodagem que, além de facilitar a interligação entre as margens do Ceira, permite garantir o acesso de viaturas de carga com porte ligeiro ao edifício de manobra onde se localiza o equipamento de comando da comporta de segurança da descarga de fundo.
O acesso à barragem será efectuado a partir da CM1401 por um troço novo de estrada com 508 metros de extensão, com perfil transversal tipo com 5,00 metros de largura e bermas com largura de 0,50 metros.
Devido à adversidade topográfica do local e com a finalidade de reduzir a altura dos muros de suporte necessários, o projecto prevê a uma ripagem da CM1401 para o interior da encosta numa extensão total de 525,00 metros, o que sob o ponto de vista de integração ambiental, geotécnico e económico, se encontrou como a solução mais vantajosa
No que diz respeito à barragem antiga, a solução encontrada considerou ser suficiente proceder à demolição da zona superior da abóbada existente, entre encontros, até à cota (659,50), isto é, 2 metros abaixo do nível mínimo de exploração da albufeira (661,5). Fica assim garantida a livre circulação superficial de água entre as zonas da nova albufeira a montante e a jusante da barragem existente, numa altura mínima de 2 metros.
Em profundidade, ficará uma abertura a uma cota superior à da actual descarga de fundo, de forma aproximadamente circular, com 2,5 m de raio e com eixo localizado à cota (645,00).
De acordo com o Programa de Trabalhos a que tivemos acesso, que tem por base a experiência adquirida em outros projectos similares, prevê-se para o tempo de realização da obra um prazo global de cerca de dois anos para a construção da nova barragem.
A execução desta empreitada, inclui a execução de todas as obras de engenharia civil e fornecimento dos equipamentos da nova barragem. O projecto envolve a colocação de cerca de 20 mil m3 de betão. Compreende também todos os trabalhos acessórios e complementares entre os quais a construção do edifício destinado aos equipamentos eléctricos, a execução dos acessos, as demolições necessárias e a recuperação paisagística.
O consórcio vencedor é constituído pelas empresas CONDURIL – Construtora Duriense, SA e ENSULMECI – Gestão de Projectos de Engenharia, SA com participações de 55 e 45% respectivamente.
Informação recolhida no sítio da empresa atrás referida, previa-se inicialmente para este projecto um prazo de execução de 26 meses, num valor total de cerca de €9.000.000,00 (nove milhões de euros), valor que será largamente ultrapassado.
Em relação aos meios humanos estima-se que seja necessário mobilizar para o local um número considerável de trabalhadores, distribuídos pelas diversas categorias profissionais e pelos diversos adjudicatários, que, no pico da construção, poderá atingir valores próximos das 100 pessoas. Por esta razão, as aldeias circundantes tem tido novos habitantes verificando-se que são várias as casas e quartos alugados por estes trabalhadores e principalmente técnicos. Por ouro lado, no comércio local nota-se um aumento da afluência de clientes. Que o diga o Ti Mário e o Ti Américo na Camba, onde o consumo de café, cerveja, aguardentes e principalmente tabaco tem aumentado significativamente.
Para as gentes daquela região, vão ser dois anos de grande azáfama e possivelmente alguns transtornos relacionados com a construção e movimentação de máquinas, contudo trará certamente mais pessoas que deixam riqueza no comércio local. Durante este ano de 2011, principalmente na época balnear de Julho e Agosto, verificaram-se grande oscilações no caudal do rio motivadas pelo inicio da construção do novo paredão, tendo afectado o uso da Piscina Fluvial de Camba que por vezes ficou quase sem água, tendo sido regularizada a situação apenas em meados de Agosto. Verifica-se ainda o corte da estrada CM 1401 que liga a Covanca, ficando apenas aberta ao fim de semana e com o pavimento em mau estado devido às obras e movimentação de máquinas. Segundo o consórcio construtor, esta situação deverá ser progressivamente resolvida com a evolução da construção, mas torna-se um transtorno difícil de evitar nesta fase da obra.
Quando nos lembramos da construção da primeira barragem e dos túneis no final dos anos 30 e década de 40, traz-nos à memória o trabalho árduo e sem condições que muitos naturais das aldeias da região sofreram. Sem a segurança de hoje, foi motivo de doenças graves (silicose e outras), causando morte prematura para um grande número de homens daquelas aldeias, principalmente para quem trabalhou dentro dos túneis.
Tal como desta vez, na época vieram muitos trabalhadores de outras zonas do país, em que parte deles acabaram por se fixar na região constituindo famílias que ainda hoje por ali se mantêm. Seria bom que a nova barragem, para além de melhorar a segurança da existente, também servisse para chamar gente para a região. Quem sabe… mas a elevada faixa etária actualmente residente não tem paralelo na situação verificada nos anos 40 e 50 do século passado.
Esta região já acolhe grandes parques eólicos, implantados em terrenos que eram pertença dos habitantes destas aldeias, inundaram e inundam os vales com barragens onde tinham os seus lameiros e moinhos, tudo em nome da produção de energia limpa. É certo que não polui mas é cara, e sai cara à população que recebe uma mão cheia de quase nada, pelo que lhe pertence por direito.
Pode ser que a luz limpa que por aqui é produzida ilumine algumas mentes, e consigam ver melhor esta região, onde há gente que também merece receber os ventos do progresso com qualidade de vida.”
Fica esta nota.