A Revista Visão, aborda no seu último número a data dos 50 anos do início da “Guerra Colonial”, tendo o artigo em questão, feito regressar ao baú das minhas memórias de criança, onde vivi com intensidade todo o drama de uma “Guerra de Libertação Nacional” versus “Guerra Colonial”.
Estávamos em 1961, mais concretamente no dia 3 de Fevereiro, tinha eu 7 anos e tinha estado a brincar com os filhos de um casal que partiria nessa tarde para o Úcua, um pequeno lugar entre Luanda e Carmona, hoje Uíge, onde tinham uma pequena loja com pensão. O Úcua servia de entreposto ou paragem, face a ausência de estrada pavimentada, já que só havia uma picada e no tempo das chuvas era o caos, a viagem poderia demorar dias, já que os camions ficavam enterrados. No dia seguinte soubemos que o casal tinha sido morto a catanada e que tinha começado um período muito difícil para todos.
As fotos publicadas nos jornais de então eram de uma crueldade enorme, que nemsequer me atrevo a descrever. Esta crueldade, motivou a mobilização geral com a constituição de milícias armadas, que quase enveredaram pelo mesmo caminho após o recolher obrigatório a partir das 21:00 Horas.
Para quem como eu e os meus pais que morávamos num “Musseque” a coisa complicava-se, já que todos os dias ao início da noite tínhamos de rumar a “cidade”, para estarmos em segurança, já que, bem perto da nossa casa, junto à cadeia de São Paulo, o golpe tinha sido forte e marcante, sendo hoje um símbolo da revolução angolana.
As atrocidades violentas de ambos os lados ficaram marcadas para sempre na minha memória, o que, para uma criança de 7 anos, passaram a rotina, com desconfianças, ódios e sobretudo vinganças.
As incursões para o Bairro do Teixeira a meio da noite, o rastejar com a minha mãe debaixo de saraivada de fogo cerrado de metralhadora e o espancamento de inocentes, que regressavam do trabalho após o recolher obrigatório, foi coisa que nunca entendi até hoje, seja, nunca ninguém me explicou porque o faziam e de uma maneira tão violenta.
Hoje, 50 anos depois as imagens de morte com mutilações impensáveis feitas a catanada, continuam a estar na minha memória e serão sempre uma negação a uma “Guerra de Libertação Nacional” que bem cedo entendi como justa.
“Quando o avião levantou e fez a curva para a direita tive a noção exacta que seria a última vez que veria a minha Terra, Terra em que tinha nascido e, Terra que queria ajudar a crescer.”