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Em kimbundu, língua oficial da zona onde nasci, “MUSSEQUE” ou “Mu Seke”, significa  ” areia vermelha”.

Musseque é um espaço de trânsição entre a cidade e a zona rural.

O musseque é fechado sobre si mesmo, num entrelaçado complexo e orgânico de ruelas, “pracetas” e corredores. As ruas estreitas, são corredores ou espaços de passagem, com a largura de um homem, desconhecendo qualquer tipo de planeamento, respondendo apenas à possibilidade de acesso peatonal aos espaços mais reconditos do coração do musseque, ocupando apenas os pequenos espaços sobrantes entre cada construção. Estes corredores são delimitados pelas próprias construções e por vedações, sustentadas por estacas, e fechadas com diversos materias recuperados nos lixos e abandonados nas obras, interrompidas por janelas e portas com as mesmas características.

Aqui a pobreza era grande mas as pessoas eram felizes com o pouco que tinham que era mesmo muito pouco. A música era o espaço de união, de revolta, as dikanzas e os tambores faziam o resto. As vezes de revolta face a situação política de então era dissipada na música no batucar forte nos tambores.

O “meu” Musseque era o Marçal, ficava a entrada da Avenida dos Combatentes a norte e estendia-se à nascente até ao Bairro de S.Paulo, a Poente até a Avenida do Brasil e a sul entrava pelo Musseque do Rangel. No Marçal a areia era vermelha e quanto mais se escavava mais vermelha era, soube mais tarde que era argilas expansivas, adoravam romper estacas de betão.

No Marçal o “semba” era uma música de forte batida, em que a dança era de tal maneira quente, que as dikanzas e os tambores faziam aguecer as barrigas. Foi do semba que surgiu a Kizomba e o Kuduro.

No Marçal, havia a oficina do Mário Cabo-Verdiano, o SUBA, Armazém de Luxo da classe rica da cidade, a Casa Sameiro, grande Armazém de mercearias, uma enorme estação de Tratamento de Água, um enorme Tamarineiro, uma big gajajeira e bués de macieiras da índia.

Os becos estreitos, ainda estão hoje na minha cabeça, e as vezes imagino-me de bicicleta “Rudge”  a passar ao pé da Jezuína, em direcção a Cacimba da Macambira para um banho. As casas feitas de barro e cobertas a zinco eram simples, só com uma divisão, depois vieram as casas de madeira.

Para ir ao Rangel onde tinha bués de colegas, seja o Rangel era o Musseque mais populoso de Luanda, ia a pé ou de bicla, passava pelos Armazéns do Sameiro, metia pelo Beco do Maneco e passava pelo Bar Chaves, pelos SMAE e lá longe estava o Rangel.

O meu “Musseque” era especial, era o berço do semba, de Elias Diá Kimuezo, de Vum-Vum, de África Show, de Bonga e dos Manos Mingas. Mas também tinha a Joana Maluca que deambulava pelas ruas do Bairro de São Paulo e do Musseque Marça. Da Joana Maluca há muitas histórias, mas a sua imagem de marca era quando a xingavan levantar as saias e mostrar as suas “partes baixas” e dizia , “cinema a borla”, Hoje a Joana Maluca, a Jezuina e a Mabunda fazem parte da História do Musseque Marçal e do reportório do Bonga e de outros cantores de Angola.

O Marçal era cruzado por duas grandes estradas em terra, a de norte/sul dos combatentes que passava pelo SUBA e entreva pelo Rangel e a nascente/poente que saía das Bombas da Texaco, junto aos Corrreios de São Paulo e passava pela Serração Bailundo e continua paralela até a grande vala que escoava as águas das chuvas até ao Cazenga.

A paracuca, doce de ginguba torrado com açúcar em tampas de bidons, o doce de côco caramelizado com açúcar amarelo, as múcuas e as gajajas era o sustento de muita gente.

Mas também tinhamos pessoas importante com a velha Jezuína, que vendia paracuca e doce de côco e a velha Mabumba, que com os seus panos coloridos e cigarro acesso dentro da boca, eram as grandes raínhas do nosso Bairro.

Ao fim da tarde por detrás da Carpintaria Pinto, era a hora dos ensaios em que o ronco do semba, se fazia ouvir até bem longe. O Maneco no Tambor e voz, o Pedrito nas no’gomas e eu nas dikanzas, vulgo reco-reco. E tinhamos nome artístico “Os Dikanzas”. Não eramamos assim tão maus, já que fomos tocar ao N’Gola Cine, mas aí levamos bailarinas, duas netas da Jezuina, a Manuela e a Terezinha, com saias de corda e cheias de missangas.

No Marçal um bom pirão com jindungo e uma muamba com galinha com kiabos, umas Cucas ou BangaSumo e era a alegria total. O dendém da Muxima e do Caxito e que se comprava do mercado do Zambizanga davam mais cor a funjada.

A praia não estava longe, bastava descer as barrocas do Zambiza ou Zambizanga, Musseque rival do Marçal e eis a Praia das Barrocas.

Nasci no Marçal, cresci no Marçal e sai de lá adulto, já com o curso acabado, tinha um orgulho enorme no meu Bairro, que até já tinha uns prédios, mas estradas de terra vermelha. O Marçal deu muita gente para a música, para o futebol, para a política, era um Bairro porreiro um Musseque como devia ser.

Mungo ué como se diz no meu Musseque.

Fiquem bem.

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