ARGÉLIA 2018 – De Orán (Waharn) a Djanet – 1ª Parte

Este é o meu Relato, tal como o vivi e senti, nesta primeira parte da ida para a zona fabulosa de todo terreno o Parque Nacional de Tassili N’Ajjer.  Oportunamente, colocarei a vossa disposição a 2ª e a 3ª parte do relato, nomeadamente a zona do deserto e depois a subida até Orán.

Fomos a descoberta e aprendemos muito, tivemos a noção que fomos desbravar caminho e que abrimos uma nova janela no todo terreno de expedição. As condicionantes são muitas, mas vale a pena suportar todas essas limitações à circulação. Tivemos a sorte de termos uma boa empresa por detrás de nós, que assumiu perante a República da Argélia a responsabilidade de nos levar e trazer a Orán, em segurança e felizes.

Mas, para isso foi muito importante o saber e a responsabilidade do nosso Guia Touaregue El Mhadi e na zona do deserto a ajuda de outro Guia Touaregue o senhor Serofi ( a quem carinhosamente chamávamos Serafim).

Eis o Relato:

Desde 2011 que a caminho de Dakhla, eu e o João Carlos Cardoso, nos propusemos ir à Argélia. Era preciso estudar muito, ver os prós e os contras, analisar bem os custos e depois arranjar uma equipa que fosse coesa, para nos acompanhar. Entretanto a convite do João Campeão, optamos por ir a Mauritânia e aí aproveitamos para testar os nossos 4×4 e as equipas.
Teste superado, avançamos para a Argélia, com um excelente trabalho de pesquisa e de procura de um operador credível que nos pudesse levar e trazer em segurança.
De duas agências finalmente seleccionadas, optamos por aquela que nos dava a garantia de nos ir buscar e levar a Orán.
O Grupo estava constituído mas, quase à última hora tivemos que fazer umas substituições, por motivos pessoais de alguns convidados.
Resolvidos todos os procedimentos necessários, como a agência, os vistos e o ferrie, lá partimos nós à descoberta de uma nova realidade.
A Argélia recebeu-nos de braços abertos, com carinho, todas as autoridades foram simpáticas e profissionais connosco.
Não sabíamos, que desde a saída do portão do Porto de Orán até a sua entrada duas semanas depois é que, teríamos sempre a companhia simpática e gentil de polícia, gendarmérie e/ ou dos militares.
Primeiro estranhamos depois entranhamos, nada que logo ao final da tarde não assumíssemos como fazendo parte, como elo principal da nossa Expedição, salvo o período de 7 dias em que andamos no deserto ou no Parc de Tassili N’Ajjer, onde andamos por nossa conta, guiados por um Guia experiente, competente, culto e sério, o Senhor El Mhadi, Imouhagh Imouhagh.

O 1º dia, 14 de Janeiro de 2018

Saímos já depois de almoço do porto de Orán, com um carro da polícia a abrir caminho para fora da cidade, tudo ou quase tudo parava ao som da sirene do carro ou carros da polícia. Pedimos para atestar numa bomba e depois almoçar. Bastava pedir, que acediam sempre aos nossos pedidos. A alegria de atestar um 4×4 com gasóleo a 26.30 dinares que ao câmbio poderia variar ente os 11.82 cêntimos e os 13 cêntimos o litro.
Era a nova primeira alegria, gasóleo de qualidade a preço super convidativo.
Paramos para almoçar num restaurante (Bora Bora) à saída da AE, em Oued Tlelat.
O aproximar da noite estava quase e andar de noite por norma não é permitido a estrangeiros, mas a polícia tinha vontade em levar-nos mais além, e levou-nos ao Hotel Bouazza em Tiaret, onde tivemos que nos encaixar nos quartos disponíveis.
Este foi o nosso 1º dia na Argélia….amanhã haverá mais relato.

O 2º dia, 15 de Janeiro de 2018

A saída do Hotel foi feita muito cedo, lembro-me de colocar os meus sacos no RR ainda de noite.
A ideia era segundo a polícia e o nosso Guia ir o mais longe possível, mas tudo dependia da velocidade da escolta e da sua substituição nos diversos pontos do caminho. Esta substituição tinha a ver com a mudança de distrito ou província e algumas vezes por causa da sensibilidade da zona, onde por norma a escolta era formada pela Gerdarmérie.
Segundo marca o meu GPS saímos às 6:26 horas, já com os primeiros raios de luz.
Uma paragem em Aflou às 9:27 para reabastecer e ir aos wc’s. Uma paragem rápida, mas sempre demorada, pois abastecer todas as viaturas 4×4 é obra.
Nesta altura, sentimos que poderíamos ter mais que a escolta da polícia, da gendarmérie ou da tropa, pois, para além da simpatia e do cuidado em termos de segurança, eram eles também receptivos aos nossos pedidos de paragem, bastava um sinal de luzes ou transmitir essa nossa pretensão ao Guia.
Às 10:52 horas, chegamos a entrada de Laghouat e observamos que estávamos a circundar a cidade. Por norma as grandes cidades eram sempre feitas pela circular externa, o que nos leva a pensar que esta atitude tem a ver com a regulação do trânsito da nossa coluna de 4×4 nas cidades.
A partir daqui entramos na chamada Estrada “Trans Sahara” ou Transahariana que vai para o sul do sul. Às 14:15 horas cruzamos a pequena cidade de Berriane e aí tivemos a noção que algo estava fora do sítio. Em todas as esquinas e em locais estratégicos havia polícia de choque fortemente armada. Julgo saber o porquê, mas mais não digo.
Continuamos em direcção a Ghardaia, onde para mudança de escolta estivemos quase uma hora estacionados à beira da estrada.
Saímos de estrada e seguimos para até onde a escolta nos quisesse levar em segurança.
Às 18:34 horas estávamos à entrada da maior cidade petrolífera da Argélia, Ouargla, e ansiosos por ficar na cidade, num Hotel ou Aubergue.
A polícia e a gendarmérie, conferenciam entre si e contornando a cidade levam-nos para um posto de controlo militar fortemente armado por militares junto a uma rotunda. Esta pequena viagem de alguns quilómetros, leva-nos para o topo sul a cerca de 6 kms do limite da cidade de Ouargla.
Tinha-nos sido dito pela polícia em Ghardaia, que ficaríamos no Oásis de Ouargla, mas a polícia argumentou que ali, junto aquela rotunda, barulhenta e imunda seria o local mais seguro.
Estávamos todos furiosos, pois o local não tinha condições, mas os Tugas como sempre deram a volta à situação com a ajuda dos militares. Cortaram a rede para termos mais fácil acesso aos 4×4 e autorizaram o acesso ao pequeno wc que tinham, optando a maioria por ir ao “Wc Mato”.
Nessa noite tivemos uma refeição quente feita pelo nosso Guia e o cozinheiro, uma harira soberba, regada com bom tinto e sem que no final o ajudante de cozinha, sacasse de uma viola e tocasse umas músicas para pôr o pessoal ainda mais bem disposto, numa noite muito fria e ventosa……….o despertar seria muito cedo, mas tinha a compensação de termos um forte e farto pequeno-almoço, feito pelo pessoal da Mouflon….
Durante a noite a grande tenda de A Malta dos Jipes, foi pelos ares com a ventania que se fazia sentir…..foi uma noite dura, já que para além do vento o frio foi intenso, gélido…..

O 3º dia, 16 de Janeiro de 2018 ou dia do “King Kong”

 Depois de uma noite muita fria, gelada, soube-nos bem o excelente pequeno-almoço servido pela equipa da Mouflon.
Como sempre saímos muito, mas muito cedo, ainda a noite esperava pelo dia. Fui o primeiro a acordar e a arrumar a tenda, fui ao wc público e o Imouhagh Imouhagh, já acordado, ofereceu-me um chá.
A noite tinha feito os seus estragos na tenda de A Malta dos Jipes, era importante zarpar dali quanto antes e foi isso que fizemos.
Os meus dados dizem que saímos por volta das 6:34 horas, pela via rápida de Ouargla a Hassi Messaoud, andamos até à entrada do tal Oásis e voltamos novamente ao controle militar, onde voltamos à zona da rotunda para aguardar pela escolta ou nova escolta.
Esperamos algum tempo e saímos em direcção a Djanet, mas à saída de Hassi Messaoud, paramos na rotunda e ficamos a aguardar pela gendarmérie, durante muito, mas muito tempo. A zona era muito movimentada e não oferecia condições para fazer nada nem um xixi.
Uma espera dolorosa que deu para ver que um dos 4×4, um RR, deixava cair líquido de refrigeração verde do radiador.
Espreita daqui, espreita dali e havia muitas opiniões se era do radiador, de algum tubo mal apertado e optou-se por colocar líquido do tipo Tapa Fugas, que resolveu logo o problema. Não era bem um líquido tapa-fugas normal, era um líquido tapa-fugas preventivo, mas que funcionou e isso era o que nos interessava.
Entretanto apareceram as viaturas, dois Mercedes-Bens 300 G, com a gendarmérie. Dizemos ao Guia que era preciso abastecer duas viaturas e comprar dois cartões de telemóvel da rede Mobilis.
A gendarmérie aceitou o nosso pedido e lá foram os 4 carros, dos 4×4 nossos e dois da gendarmérie. Os que foram dizem que foi o máximo, sirenes ligadas, barramentos nos cruzamentos e na área de serviço, passaram a ser os primeiros a ser atendidos. Idêntica situação se passou na Loja da Mobilis,  isso contado assim com muita água benta.
Partimos em direcção a Djanet, com dois 4×4 da gendarmérie, um a frente e outro atrás. No carro da frente ia um Gendarme, com profissionalismo, assumia a sua condição de gendarme ao extremo.
Não dava abébias, queria a caravana compacta e disciplinada. Informamos o Guia que queríamos almoçar e ele transmitiu ao Gendarme que apelidamos de “King Kong”.
Um pouco depois “King Kong”, sai da estrada e dirige-se para uma zona com dunas e escolhe um local para o almoço.
“King Kong” coloca o seu pessoal em pontos estratégicos em cima das cristas das dunas e deambula por lá.
Para ver se o animava coloquei uma coluna com música árabe, mas nem isso tirava o homem do sério.
Arrancamos com o “King Kong”, a manter a caravana unida e junto a Base Aérea de Ghassi Touil, paramos para termos outra escolta. O nosso “King Kong”, afável disse-nos que não deveríamos ter bebido álcool à refeição, porque para além de o estarmos a desrespeitar a ele, também o estávamos a fazer ao País, no fundo quis que fossemos discretos.
Ao início da noite chegamos a Hassi Bel Gebbur, onde tentamos atestar os depósitos dos 4×4, mas a coluna de camiões para abastecer era grande e optamos mais uma vez, a mando dos militares fazer um bivouac, numa zona imprópria para tal.
De manhã muito cedo optamos por atestar os 4×4 e partir em direcção a Djanet……….
PS: Hassi Bel Gebbur, é um cruzamento de duas estradas importantes, a que segue para Tamanrasset e para Djanet só tem pequenas lojas, pequenos cafés despercebidos, e uma única bomba de combustível, esta com o grande depósito inserido dentro de um contentor assente no solo. Tem em construção uma grande área de serviço…ah, as pequenas lojas têm tudo ou quase tudo do que precisamos…..fica esta nota…

O 4º dia, 17 de Janeiro de 2018 ou dia da Líbia?

Uma etapa longa de 700 kms, e como sempre com a saída muito cedo.
Todo o pessoal acordou muito cedo, ainda a noite demorava a ser dia, mas era preciso abastecer ser encontrar as filas de camiões.
Tivemos que esperar pela abertura das bombas e reabastecer, processo demorado. Com o nascer da alvorada, aproveitamos para nos inúmeros cafés e mini supermercados, comprar pão fresco, tomar café e comprar algumas bebidas.
Marca o GPS que começamos a nossa epopeia às 5:27 horas e saímos de Hassi Bel Gebbur às 6:51 horas.
Penso que saímos sem escolta até Tin Fouyet, onde existe mais uma Base Aérea. Daqui tornamos a ser escoltados pela gendarmérie, que pouco depois parou, mandou uns militares para o cimo de um pico da montanha e depois mandou-nos seguir até Ohanet.
Fomos directamente para a Gendarmérie e de seguida continuamos pela N3 até ao cruzamento da N3 com a nova rota de Alrar a PK60.
Neste cruzamento, onde existiam muitas construções dispersas e desmazeladas, em vez de seguirmos pela N3 até In Aménas, os gendarmes, obrigam-nos a cruzar o controle militar e a seguir em frente. A justificação dada é que à direita iríamos para uma zona industrial, mas a nossa certeza é que pela direita é que seria a rota ideal.
A partir daí, seja de Krebb in Akhamil, fomos sem escolta em direcção a fronteira da Líbia. 
A estrada era nova e aparentava ter sido asfaltada há pouco tempo, mas obrigava a uma volta muito maior. Iniciámos este novo percurso às 10:36 horas e às 11:26 horas estávamos quase a entrar pela fronteira com a Líbia dentro.
Reparamos então que tínhamos à nossa esquerda uma Base Aérea fortemente armada e que num ápice, os militares que estavam na parada e a jogar futebol, correram para os seus postos e para as metralhadoras e alguns tentavam pôr os tanques a trabalhar.
Paramos na barreira de controle, o nosso Guia foi falar com o Comandante e foi dito ao Guia que teríamos de voltar cerca de 6 kms para trás, e curvar a esquerda para o Eixo Routiere de Alrar a In Aménas.
Quase sempre na zona de fronteira entre a Argélia e a Líbia a sós com o nosso Guia. Íamos vendo que estávamos a ser seguidos ao longe e um pouco depois decidimos parar para comer uma buxa.
De seguida, e já recompostos, seguimos para In Aménas onde passámos mais uma vez por fora, e paramos cerca das 16:46 na área de serviço de Illizi para atestar e, um pouco depois cumprir as formalidades na Gendarmérie de Illizi. Por acaso a demora foi grande já que foi necessário tirar fotocópias de todos os passaportes e dos DUA’s, o que demorou bastante.
Quando caía a noite fomos fazer um bivouac à saída de Illizi sendo que, um pouco depois chegou um carro da polícia ou da gendarmérie que discretamente ficou de guarda ao nosso bivouac .contudo, Djanet continuava ainda muito longe, mas já estávamos quase à entrada do Parque Natural de Tassili N’Ajjer, o nosso objectivo final na sua parte mais a sul o Tadrart….

O 5º dia, 18 de Janeiro de 2018

O nosso maior desejo era chegar a Djanet (deve dizer-se Djanete) como os Argelinos gostam e fazem questão de corrigir), para um banho retemperador, pois desde Tiaret, que não havia banhos para ninguém.
Às 7:11 horas começamos a andar, devagar com escolta, que nos acompanhou até ao cruzamento de Afara, onde almoçamos e aguardamos pela nova escolta. Dizem que a estrada de Afara é uma via de acesso a Tamanrasset, mas que não está aberta a turistas e pelo movimento militar que fomos vendo, com certeza que assim é.
Tivemos que aguardar muito tempo até que a gendarmérie, nos levasse a Djanet. Entretanto chega a escolta que nos acompanha uma parte do caminho, e depois seguimos com o Guia até Bordj El Haouas, onde tivemos que aguardar pela nova escolta. Fomos ao posto da Gendarmérie e o Comandante pediu-nos os passaportes e disse que só os entregava na volta. Tanto o Guia como o João Carlos Cardoso, disseram que não concordavam, mas o Comandante, não deu qualquer hipótese, os passaportes ficariam sob a sua guarda e responsabilidade.
Arrancamos com escolta e seguimos para Djanet onde nos esperava o responsável da gendarmérie de Djanet, que solicitou todos os passaportes e mandou entregar a todos nós, sem deixar de dar um raspanete ao comandante de Bordj El Haouas.
O Comandante recebeu-nos de braços abertos e a partir daí fomos directos para o Hotel que fica à saída para o aeroporto de Djanet em Ifri, seja o Hotel Teneré.
Um hotel muito bom constituído por um conjunto de bungalows, com banho e frigorífico.
Mas o que o pessoal queria mesmo era um banho, falar com a família, ir às compras, reabastecer os depósitos e os jerricans, bem como comer uma boa refeição quente.
O dia seguinte….  seria a data de partida para o deserto, nós e o guia, para 7 dias de fortes emoções, no meio de paisagens de sonho, sem qualquer contacto com exterior, salvo pelo nosso telefone satélite……