EXPEDIÇÃO SAHARA 2013 – Relato – Parte 2

5.º Dia

            Bivouac_1 a Smara – 317 Kms

 5.1

 

 

 

A alvorada foi bem cedo, já que o sol por ali nascia por volta das 6h00m, e o dia prometia com as primeiras pistas de pedra até Jdiriya. Saímos cerca das 9h00m e chegámos a Jdiriya a rondar as 12h15m. Tratava-se de uma pista rápida, rodeada de pedra, muita pedra mesmo, e exigente do ponto de vista da concentração na condução, já que um erro ou desvio facilmente redundaria no rebentar de um pneu.

O Land Rover Discovery “Helfalump”, que já no dia anterior sofrera uma pseudo avaria, pois o dono é um fervoroso adepto das chaves dinamométricas ao invés de utilizar a força do “Trinta” praticada pela “Land Bastos”, acabaria por atascar apenas a 10 Km de Jdiriya (N27 19.659 W10 20.774), pelas 12h02m30s.

5.2

 

 

 

 

 

À entrada, uma boa recepção por parte dos adultos e, sobretudo das muitas crianças. Despendemos algum do nosso tempo à conversa e no tratamento tópicos dos olhos dos mais idosos, aliás, preocupação bem expressa pelos mais novos. Acabaríamos mesmo por deixar gotas e pomadas oftálmicas, a par de roupa. Em troca, recebemos que tinham de melhor: uma taça em porcelana com leite fresco, que tivemos de beber e partilhar entre nós.

5.3

No posto de polícia local, onde é quase um “ritual” cumprirmos as formalidades de passagem e/ou estadia, o acolhimento não foi de todo diferente. O seu comandante, honrando a tradição muçulmana no que toca à hospitalidade, ofereceu-nos chá e, já no final, desejou-nos a continuação de uma boa viagem por aquelas paragens.

5.4

Esperava-nos a pista de Jdiriya a Smara. Demolidora até ao km 65, daria lugar a um planalto, próximo de uma abertura no denominado “muro”. A marcar o ponto, uma placa de direções e para a nossa posteridade uma fotografia de grupo. Desta paragem, a qual incluiu ainda a visita às ruínas de uma antiga base militar ou aquartelamento, seguir-se-ia um troço sobre um lago salgado, percorrido “prego a fundo” até bem perto de Hawza, onde encontramos com uma estrada com o asfalto de apoio a um grande quartel militar da região.

Chegámos a Smara ao final da tarde. Tempo de reabastecer os depósitos e os jerricans, já que os dias seguintes contariam com uma tirada de, pelo menos, 1200 km, a incluir Aousserd e a Montanha do Diabo, no meio de literalmente “nada”.

Aconselhados a não acampar perto de Smara, optámos por pernoitar em boa hora no hotel Amine, localizado à entrada da cidade. Em Smara a entrada e antes do controle policial, um Parque de Campismo (N26 51.336 W11 45.139), devidamente murada e com algumas palmeiras, mas com o inconveniente de não ter wc’s.

A cidade de Smara, tem dias, umas vezes parece-nos distante e dura, outra afável e a fervilhar de vida. Desta vez, coube-nos uma Smara afável, com um “souk nocturno”, barulhento e movimentado. Valeu a pena ficarmos por Smara. Retemperámos forças, pudemos tomar banho e cuidar dos nossos 4×4.

Tempo ainda para que o caloiro da expedição, o dono do hotel e o chefe da polícia, degustassem uns enchidos bem portugueses, acompanhados por um excelente tinto.

6.º Dia

            Smara a Gtem at-Talh “Moscas” – 248 Kms – ”Moscas” a Laayoune 182 Kms

 6.1

Depois de um excelente pequeno-almoço oferecido pelo hotel numa das pastelarias da zona e feitas as últimas compras, como água ou pão, partimos para a zona mais desejada, as pistas do Sahara “profundo”. Estávamos ansiosos, pois, pelas notícias que íamos tendo e pelo que fomos lendo, subsistia a hipótese de não nos deixarem passar no controle policial à saída de Smara, junto ao local de entrada na pista. Não foi o caso, já que, cumpridas as formalidades, foi-nos desejada boa viagem.

A pista começava sinuosa e com muita pedra. Sucediam-se os planaltos, a par de uma mistura de sequências de pedra negra e areia, por uma imensidão de trilhos ao nosso dispor, em que é contudo importante saber navegar. Aos poucos o grupo começou a tirar partido das pistas e dos seus 4×4. Como é habitual nas nossas expedições, existe a prática de rodar quem abre a caravana nas pistas (a “lebre”): de manhã um, à tarde outro.

6.2

6.3

A Pista acompanhava o “muro”, num percurso com variações abruptas de rumo. A primeira destas ocorreu perto de Lac Ayda, zona plana e de cor branca, conforme se vê na foto abaixo.

6.4

Passados 10 Km apareceu o primeiro marco (N26 17.211 W12 00.685), logo seguido de uma placa de direções (N26 17.678 W12 00.811). Prosseguimos por um vasto planalto e a ladeá-lo sempre o “muro”, o qual nos ia oferecendo ruínas de guarnições, postos de vigia, bases antitanque. Depois, nova variação de rumo, junto a outra placa de direção, na verdade um enorme pneu (N26 24.762 W12 05.483), a obrigar-nos a contornar invariavelmente o “muro”.

6.5

O dia estava quente. Os diferentes trilhos acabariam por nos conduzir a uma antiga e abandonada guarnição, onde optámos por almoçar. Tempo para uma rápida refeição e algumas fotos junto a um dos postos de vigia, ainda em bom estado.

6.6

A etapa seria longa e estávamos a poucos quilómetros da N5, estrada que supostamente termina junto à fronteira com a Mauritânia, em Guetat Zemmour.

6.7

Estes primeiros 197 km foram de puro prazer e ao mais alto nível. A caravana estava endiabrada e os 4×4 correspondiam às exigências e à dureza do percurso.

6.8

Entrámos na N5 (N26 08.313 W12 41.917), percorremos 31 km e voltámos a apanhar uma pista à direita (N25 47.604 W12 35.650), tomando o rumo de Bir Anzarane, e, por consequência, do ponto do segundo bivouac (N24 49.946 W13 32.409).

6.9

Percorridos apenas 11 km (N25 45.204 W12 40.249), fomos informados via rádio que um dos 4×4, o Toyota HDJ 100, se debatia com uma avaria. Efetivamente, o seu painel exibia o alerta de um erro (o erro 12-15), obrigando à perda de potência. A insistência no andamento acabou por levar o 4×4 a entrar em “safe mode”.

6.10

Fieis ao lema “vamos todos, regressamos todos, ninguém fica pelo caminho”, rebocámos o 4×4 durante 182 Km, até ao concessionário da marca em Laayoune.

6.11

Neste dia parte do grupo optou por ficar num novo hotel localizado à entrada da cidade, o Hotel Salwan, ao passo que outros decidiram experimentar o Relais 4×4 “Le Roi Bédouin”, distando apenas 30 km para norte. Para quem aprecia espaços duros e selvagens esta relais 4×4, é o local indicado.

6.12

6.13

7.º Dia

            Laayoune a Boujdour – 230 Kms

 7.1

O dia começou bem cedo com a entrada do 4×4 no concessionário. Infelizmente, este não dispunha dos meios eletrónicos necessários à verificação e eliminação do erro, o que nos obrigou a nova deslocação, desta feita a uma oficina particular que se sabia dispor dos equipamentos adequados.

Limpo o erro, a opinião do mecânico inclinou-se para a meia que protegia o topo do snorkel. Segundo aquele, a mesma, ao dificultar a entrada de ar, teria estado na origem do problema.

Ensaios realizados e quando tudo parecia resolvido para que se pudesse retomar a pista onde a havíamos abandonado (N25 45.204 W12 40.249), só que à saída de Laayoune o erro ocorreu de novo.

7.2

Foi então que nos indicaram uma outra oficina dotada de muito equipamento. Efetivamente, o seu equipamento de diagnóstico Bosch indicava o “tal” erro 10-15, da máquina da Bosch. Numa pesquisa à Internet e em fóruns técnicos relacionados com a marca acabou por se descobrir que aquele afinal tinha origem num mau contacto da ficha que liga à bomba de injeção.

Transmitida que foi a informação ao mecânico, este pediu em árabe a um dos seus ajudantes uma ponta de cabo, cortou-o, descarnou-lhe a ponta, abriu-o em dois e enfiou-o na ficha. Colocada finalmente no lugar, seguiu-se a limpeza do erro. Depois, só restou mandar ligar o motor e desejar a todos boa viagem, sem nada querer em troca pelo trabalho.

Face à hora tardia, pois já passava das 18h30m, decidimos dar “uma volta” ao percurso invertendo-o. Daí que tenhamos tomado a direção de Boujdour, com passagem pela Casa Josefina, em Laayoune Plage, para um excelente jantar de lagosta e polvo à galega.

Chegaríamos a Boujdour perto da meia-noite, cansados mas felizes. A entrada à noite na cidade é soberba, já que o conjunto de iluminação a duas cores instalado ao longo da avenida impressiona.

7.3

O Parque de Campismo de Boujdour.

7.4         

8.º Dia

            Boujdour a Dakhla – 525 Kms

 8.1

A saída neste dia foi algo preguiçosa e tardia, a lembrar que era preciso descomprimir e recuperar do cansaço do dia anterior. Começou com uma visita ao Cabo Bojador, onde relembrámos Gil Eanes.

8.2

Logo seguida de uma incursão à alameda principal e ao Herói da Marcha Verde, situado em praça contígua.

8.3

Então, importava ganhar forças e coragem para enfrentar os controlos à saída da cidade. Aí, os pedidos acabaram por se revelar insistentes, viatura a viatura.

Calmamente, rumámos à Dakhla pela N1. Os rádios CB mantiveram-se sempre em “alto astral”, com direito a “discos pedidos”. Mas as descontrações por vezes pagam-se! Tal era o ambiente que o “Tour Leader”, nome pomposo dado a quem abria o percurso para o grupo, se distraiu e num dos muitos controlos foi apanhado em excesso de velocidade. E, com ele toda a caravana, já que seguia compacta à mesma velocidade. Resultado: 300 Dhs de multa.

O abastecimento de combustível numa das bombas daquela estrada também não foi isento de peripécias. O Toyota, do erro 10-15 levou com 11 litros de gasolina, até se dar conta do erro. Como consequência, acabou por ter que parar em todas as áreas de serviço até Dakhla e reabastecer, de modo a diluir a gasolina, ao que se juntaria ainda um litro de óleo.

E nem mesmo uma pedrada acidental no para-brisas daquela viatura, com a consequente rachadela, estragaria a boa disposição do grupo.

Um bons Kms depois de Boujadour, ainda nos propusemos ir por pista para Bir Anzarane, mas essa opção ficou logo sem efeito, já que ainda se testava a eficiência da ficha do Toyota, bem como não cumpria o nosso propósito.

8.4

Antes de Dakhla, já que a N1 corre junto à costa, descemos uma praia de pescadores, com pequenas embarcações de cor azul, que mostravam destreza em entrar e a sair do mar. Aí pudemos apreciar o modo como as pequenas embarcações se faziam ao mar e conseguiam ultrapassar a rebentação. Boa oportunidade para comprar o jantar daquela noite: douradas e robalos.

8.5

Rumo a sul, acabaríamos por ultrapassar o cruzamento que ligava à península de Dakhla. Tínhamos por objetivo um ponto já perseguido há algum tempo: o Trópico de Câncer.

8.6

Seguiram-se as fotos e as comemorações da praxe. Depois, meia-volta e outro marco na expedição: a Duna Branca. Acede-se-lhe por meio de uma pista localizada já na estrada de ligação a Dakhla. Pista com muita “chapa ondulada”, num misto de areia mole e dura, capaz de criar fortes vibrações ou esconder obstáculos. Foi, aliás, num destes que o Land Rover Discovery 200 Tdi, do Padrinho, acabou por partir o apoio de um amortecedor traseiro, o que deixaria o “Padrinho” em apuros, não fosse a rapidez da atuação do Marco, em retirar o amortecedor, para continuar até à Duna Branca.

8.7

Infelizmente, as condições à chegada não eram as melhores. Muito vento e uma maré ainda a vazar impediram que os veículos se aproximassem. Apenas um, o “SA vimbi” se atreveu a seguir um rasto visível, para estancar a menos de 100 metros da Duna Branca.

8.8

Não restou outra hipótese que assistir ao pôr-do-sol já perfilado no horizonte e rumar a Dakhla. A noite seria passada no Camping Moussafir, localizado à entrada da cidade, acompanhada por peixe fresco grelhado e boa disposição.

Continua com a parte 3, oportunamente