VIAGEM DE SONHO – ANGOLA 1968 – Parte 1

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Pois é!

Desde muito puto que a aventura me morde os calcanhares e não sei bem porquê, desde sempre que assim foi até hoje.

Nesta minha viagem de sonho, tinha 16 anos e nas férias grandes, lá apetrechei a minha Maxi Puch a dois tempos, com suspensão de molas a frente e eixo rígido a trás.

Mandei fazer uma armação em ferro para encosto das costas e “agarrar” a mochila, a minha mãe fez um saco lona para suportar 2×1,5 litros de gasolina mistura e umas latas de conserva e voilá até Moçamedes, para ver o Deserto do Namibe, que ficava a 1200 kms, seja 2400 ida e volta.

Mas estava escrito, tinha de ser, tinha de ir ver o Deserto, as avestruzes gigantes e sobretudo a Welwitschia mirabilis, planta que só existe neste Deserto e que vive mais de 100 anos.

Bem, sei que foi em Agosto mas já não me lembro do dia e que saí de madrugada, só com a minha Maxi Puch, atestada de gasolina, bués de latas de atum e sardinha e algum quito no bolso.

A viagem era dura, difícil e perigosa entre Catete e o Golungo Alto, já que a guerilha do MPLA, andava activa pelo menos de noite.

Mas lá basei feliz e contente com a minha marcha dos 40 Kms/hora como velocidade média, salvo quando era a subir que tinha de ajudar com os pedais, mas nem sempre ou não fosse uma Maxi Puch Made in Austrich.

Nas calmas e sem problemas lá passei Catete, Golungo Alto e parei no Dondo para almoçar e atestar a “Lady”. Sim, todos os meus carros ou motas têm nome próprio por exemplo o meu Land Rover Defender é o “Savimbi”, pois começa com a matrícula em SA.

Para meu espanto tinha feito uma média bestial, porque tinha demorado umas 6 horas para fazer 200 kms. Ainda me lembro de ter almoçado numa explanada tipo quiosque que existia logo a entrada da Vila. A Vila do Dondo era um importante  nó rodoviário de quem ia para o norte via Salazar hoje Dalantando ou para sul via Quibala para Nova Lisboa, Sá da Bandeira, Benguela, Lobito, Moçamedes ou para as Terras do fim do Mundo.

Mas eu queria mesmo era ir para Moçamedes, queria ir ao Namibe e como tal fui para Sul.

A saída do Dondo virei a dta para Quibala que não era mais que um ponto de paragem dos Bigs Camions com Big atrelados que varriam Angola de uma ponta a outra. Posso dizer que tinham uma vida dura, mas eram felizes e via-se na sua cara. Eles adoravam os seus camions.

Ainda me lembro de passar  na Ponte sobre o Rio Quanza e ver mais adiante o Bairro dos Funcionários da Barragem de Cambambe, passava-se a Ponte subia-se sobre a esquerda e lá estava aquela obra imponente, orgulho da nossa engenharia.

Este percurso era mais sinuoso e sempre a subir para o Planalto, o maior e mais belo planalto do mundo o Planalto da Cela que ia da Quibala as fraldas do Alto Hama.

Mas a minha Maxi Puch mantinha-se firme lambia aquelas subidas todas nas calmas e chegamos a Quibala às 21 horas.

Na Quibala havia bués de Pensões, Casas de Pasto e como tal lá encontrei uma Pensão económica aonde comi, porque dormir foi ao lado da Maxi Puch, com uma manta e uma esteira, debaixo de um alpendre.

Às 4 da matina não era preciso relógio, porque as bigs Mercendes-Benz, as Scanias, as Volvos, as Mack’s e as Trader’s faziam bués de barulho para encher os reservatórios de ar para as caixas de velocidades e travões.

Pois, tinha de ser e a etapa era longa, da Quibala a Nova Lisboa, pelo Planalto da Cela, com bués de camions a passar com os seus reboques super carregados que quase atiravam cá o “Je” borda fora, tal era a deslocação do ar, ou o ronco de saudação dos camionistas.

As 9.00 horas da matina estava radiante a ver os kms e kms de plantações de abacaxi, para fabricar o famoso vinho Bangasumo”.

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Por volta do meio dia chego a Cela e estaciono na “Area de Serviço da Shell”, ya, a 31 anos de distância já havia áreas de serviço em Angola, aquilo era  um coisa enorme com pagamento ao guiché e  auto-serviço.

Na Cela havia um colonato e via-se Tugas a moda de Tugas.

Recomposto e com a Lady atestada era preciso chegar ao Alto Hama e depois Nova Lisboa. Mas chegar ao Alto Hama era obra porque a parte final era muito a subir muito a subir e a Lady ia de certeza aninhar-se.

Mas nada que não se resolvesse com imaginação, mas isso eu já conto.

Então, arranquei nas calmas e ao chegar a famosa subida do Alto Hama, reparei que os Bigs Camions super carregados iam em marcha muito lenta e super acelerados a gemer para vencer o desnível, e vai daí toca de apanhar uma boleia, seja estrategicamente colocado tenho de me agarrar a traseira de um deles e voilá  eis a solução, a minha Lady agradecia a ajuda.

Quando cheguei ao Alto Hama, aproveitei para tomar um duche, no tanque junto a estrada com as suas famosas águas termais a uns 60º C, era uma delícia, voltei lá várias vezes e tenho num joelho a marca de um mergulho mal calculado.

Eram para aí uma 5 ou 6 horas da tarde e ainda faltavam 60 ou 80 kms para chegar a Nova Lisboa, mas como diria o outro em beleza, nem a Lady aquecia era sempre a descer.

Cheguei a Nova Lisboa por volta das 21.00 horas e lá fui para casa da avó do Abílio Silva que me esperava.

Texto não editado.

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Comentários

5 comentários a “VIAGEM DE SONHO – ANGOLA 1968 – Parte 1”

  1. Acompanhei, com emoção e – reconheço – uma lágrima no canto do olho, esta viagem. Cá estarei com assiduidade.

    Kandandu

    Orlando Castro

  2. Que viagem de sonho. Parabens. Adorei o seu espirito de aventura. Mas não pense que demorou muito. Durante a guerra civil para fazer 200 Km em Angola demorava-se mais que a sua lady demorou acredite. Forte abraço

  3. Porra, que raio de aventura! Os meus parabéns. Como é possivel não ter receios de aventuras dessas. É que eu estive na Cela entre 1955 e 1959 e conheço os perigos dasquelas subidas e descidas e o pó que se come – naquela época a estada Luanda-Dondo-Quibala-Cela era de terra batida!…

  4. Fiz essa viagem duas vezes em 2007…de jipe desde luanda e com muita chuva e por consequência muita lama, o alcatrão terminava em …catete, depois só amostras dele, demorei…12 horas sempre a abrir em 4×4.Esplendorosas paisagens e nostalgia(s) do que não conheci antes da independência. Parabéns pela sua aventura em.. 1×1 !!

  5. Boas, caro mestre, também “fiz” esta viagem (2008), claro em 4×4, e durante as 10 horas impressionou-me os angolés nas duas motas, e pensava estes serão seguramente os melhores pilotos para o Dakar, agora em Maxi Puch (muitos não sabem o que é).
    Parabéns e obrigado por partilhar. Abraço